A Serra de Arga

Enquadramento

BEM-VINDO À SERRA D’ ARGA


Serra d’ Arga é um espaço de elevada importância para conservação da natureza, em particular da biodiversidade (habitat de elevado número de espécies), o que traduz-se na necessidade de preservar, manter e proteger os habitats naturais da fauna e flora selvagens.
É por isto que a Serra d’ Arga foi incluída e classificada numa lista nacional de sítios de uma rede ecológica europeia, conhecida por Rede Europeia Natura 2000.
Serra d’ Arga não se trata de uma área protegida, tal como o Parque Nacional da Peneda-Gerês, ou o Parque Natural da Serra da Estrela, ou a Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto ou a Paisagem Protegida Das Lagoas de Bertiandos e de S. Pedro d’ Arcos. As áreas protegidas caracterizam-se por terem um uso condicionado, ou seja, são espaços que possuem determinadas limitações e um regulamento que define o seu uso, inclusive limita em determinados locais, o simples acto de caminhar, isto devido, a albergarem no seu meio habitats e espécies muito sensíveis que deverão estar protegidas de qualquer acção do Homem.
Serra d’ Arga trata-se de um espaço que goza momentaneamente de uma “protecção especial” que tem por objectivo salvaguardar determinados habitats e espécies, procurando fazer frente às ameaças de extinção através, principalmente, da aplicação de políticas e medidas de ordenamento do território para a sua preservação. O que obrigou à elaboração de estudos e de inventários das espécies e habitats existentes, pois somente conhecendo é que sabemos o que queremos proteger.
Cerca de 4 500 hectares (o que corresponde a 4 500 campos de futebol) da Serra d’ Arga fazem parte da Rede Europeia Natura 2000. Esta Serra encontra-se em território de quatro concelhos: Caminha, Ponte de Lima, Viana do Castelo e Vila Nova de Cerveira. Contudo, o concelho de Caminha é aquele que possui em melhor estado de conservação, quer o património natural quer o seu património humano (cultural, etnográfico, histórico e arquitectónico), encontrando-se muito bem representado pelas aldeias pastoris conhecidas pelas “Argas”: Arga de S. João (onde está o mosteiro de S. João d’ Arga), Arga de Baixo e Arga de Cima. Estas três freguesias caminhenses possuem no seu conjunto cerca de 175 habitantes, com idades em média compreendidas entre os 50 e os 65 anos, possuindo apenas 5 alunos na Escola Primária. Isto num concelho bem desenvolvido a nível do turismo, dos serviços e da indústria, para além das “Argas” apenas localizarem-se a pouco mais de 10 km da sede do concelho. Este despovoamento acelerado das “Argas” , bem como o envelhecimento da sua população, sem regeneração juvenil é característico de todas as comunidades rurais de montanha que se encontram espalhadas por todo o país, essencialmente na região Norte.
 

Geomorfologia

Pode-se dizer que Serra d’Arga emerge entre as margens do rio Lima e do rio Coura. Trata-se de um grande maciço de granito de grão grosseiro que se eleva abruptamente dos terrenos xistentos que o rodeiam, destacando-se de muito longe pela sua forma. O xisto porém, constitui alguns dos contrafortes orientais. Dos seus contrafortes, pelo Sul, Nascente e Poente, sobressai vivamente a lomba maior, com mais de 600 metros de altitude, alcançando no lugar do Alto do Espigueiro o seu ponto mais alto – 823 metros. No alto da Serra d’Arga, desdobram-se três vastas chãs: a de S. João, a de Sezeda, a Grande ou a da Bica. Desta amplíssima agra (daí deriva o nome da Serra) pode-se admirar a imponência do magnífico panorama que nos rodeia.
A Nordeste e a Leste da Serra d’ Arga destaca-se o Cabeço do Meio-Dia (550 metros de altitude) e a serra da Cumeeira (603 metros de altitude), esta última, sobretudo, com vertentes íngremes para o lado de Cabração.
O granito forma as maiores altitudes desta região (747 metros no vértice geodésico da Pedra Alçada).
Serra d’Arga é atravessada por inúmeros regatos e rios que nas suas zonas mais elevadas nascem, percorrendo toda a serra e desembocando no Rio Coura, no rio Lima para confluírem nas salgadas águas do Atlântico, sendo o mais conhecido o Rio Âncora, com as suas belíssimas quedas de água e os ribeiros de S. João e de Arga que correm desenfreadamente entre os importantes caos de blocos graníticos e formando pelos seus leitos refrescantes piscinas naturais.
Além das três freguesias caminhenses que tomaram o nome da Serra: Arga de S. João, Arga de Baixo e Arga de Cima; outras povoações floresceram ao seu redor, apresentando modos de vida, formas de cultura, tradições e costumes muito semelhantes: as freguesias também caminhenses de Dem, Gondar, Orbacém; as freguesias vianenses de S. Lourenço da Montaria e Amonde; as freguesias limianas de S. Pedro d’ Arcos, Estorãos, Cabração; e a freguesia cerveirense de Covas, desde tempos imemoráveis se serviram dos fartos recursos naturais da serra, quer colhendo matos para lenha e para as camas do gado, quer pastando o gado nas suas amplas e férteis chãs, quer ainda utilizando a sua água, tão pura e salutar, ou ainda aproveitando as suas encostas que trabalhando-as arduamente, as transformaram em terrenos de cultivo, dispostos em socalcos, onde é possível colher algum milho e hortaliças.
 

Clima

O clima de Serra d’ Arga é característico da influência atlântica. Contudo registam-se precipitações orográficas em virtude do choque com a barreira montanhosa e condensações que ela provoca, logo os valores de precipitação são mais elevados. A queda pluviométrica anual é abundante de 1400-2000 mm. A pluviosidade média anual ronda os 1800 mm. Acima da cota de 550 metros a temperatura é mais baixa, registando-se na Serra uma temperatura média anual entre 10 a 12,5 ºC. De forma mais superficial, podemos dizer que os Invernos e Primaveras são chuvosos e frios e os Verões muito secos e muito quentes.
 

Flora e Fauna

A arborização característica da Serra d’Arga não é representativa, porém nos lugares próximos dos povoados encontram-se carvalhos (Quercus robur), sobreiros (Quercus suber), pinheiros (Pinus pinaster; Pinus sylvestris), amieiros (Alnus glutinosa), bétulas (Betula celtiberica), castanheiros (Castanea sativa), oliveiras (Olea europea) e o medronheiro (Arbutus unedo). Estas espécies encontram-se de forma muito singular nesta Serra, constituindo pequenos bosquetes com grande diversidade florística. Contudo existem espécies de elevado interesse, uma vez que constituem uma raridade no país ou constituem endemismos da Serra d’ Arga. Como endemismo de elevada importância temos o feto-real (Osmunda regalis) que abunda junto das margens dos ribeiros que serpenteiam a serra. Nas grandes chãs da serra podemos encontrar turfeiras com uma grande quantidade de Sphagnum auriculatum, Sphagnum compactum, Sphagnum tenellum, Sphagnum rubellum, e Sphagnum subnitens. Nas vertentes da Arga, surgem nas zonas húmidas criadas pelos inúmeros ribeiros e riachos e linhas de escorrência, as denominadas “orvalhilhas”: Drosera rotundifolia, Drosera intermedia e Pinguicula lusitanica. Nestas zonas ocorre, igualmente, uma espécie rara com uma distribuição muito reduzida no nosso país – o Lycopodium inundatum.
A Serra d’ Arga é por excelência o local-tipo para a espécie Armeria humilis ssp. odorata, apenas ocorrendo nesta serra e na vizinha Serra Amarela (maciço montanhoso enquadrado no Parque Nacional da Peneda-Gerês). Na área que constitui a Chã Grande surge uma população bastante grande e compacta de Narcissus pseudonarcissus.
No que respeita a arbustos, predomina o tôjo (Ulex europaeus e o Ulex minor) e as urzes (Erica arborea, Erica dealbata, Erica cinerea), em menor quantidade encontra-se o loureiro (Laurus nobilis), o medronheiro (Arbutus unedo) e o azevinho (Ilex aquifolium). É de destacar e digno chamar a atenção que grandes áreas da Serra encontram-se invadidas por um arbusto exótico, denominado vulgarmente por acácia-espinhosa (Hakea sericea), considerado infestante no nosso país, quer pelos graves problemas que representa para as mais diversas espécies cinegéticas, como para a flora autóctone, assim como pelo impacto ambiental que causa devido à sua facilidade em propagar-se com os incêndios florestais (espécie pirófita).
Serra d’ Arga destaca-se a nível da conservação da natureza por apresentar uma elevada biodiversidade, a qual permitiu a sua inclusão na Rede Natura 2000. Sendo digno de salientar a existência de espécies de elevado valor no que respeita à sua conservação, tais como: Lobo (Canis lupus), Gato-bravo (Felis sylvestris), Lontra (Lutra lutra), Corço (Capreolus capreolus), Musaranho (Neomys anomalus), Toupeira-d’ água (Galemys pirenaicus), Lagarto d’ água (Lacerta schreiberi) e o Peneireiro-vulgar (Falco tinnunculus)

Evolução do Povoamento
 Vamos então recuar no tempo, vamos tentar imaginar e procurar visualizar épocas remotas, perdidas já na memória, para podermos entender tudo o que se passou desde o princípio até aos dias de hoje em Serra d’ Arga, tomando como exemplo estas povoações que constituem “As Argas”.
No IV milénio a.C. (ou seja há cerca de 6 mil anos atrás), as comunidades humanas megalíticas implantaram-se nas suas encostas, entre os 200 e 400 metros de altitude. Por isso encontramos alguns dolmens nas freguesias vizinhas. Estas primeiras populações viviam da agricultura itinerante, abrindo clareiras com o auxílio do fogo, promovendo assim, sucessivas queimadas. Recolhiam frutos silvestres e viviam da caça e pesca. A Serra d’ Arga desta época era muito diferente do que é hoje, encontrando-se coberta da chamada floresta primitiva que cobria Portugal de Norte a Sul, onde a Norte do rio Tejo abundavam os extensos carvalhais.
Na Idade do Ferro, surgem os primeiros povoados de carácter defensivos – os Castros. Entre estas comunidades castrejas destacam-se os Celtas que já possuíam uma estrutura social, com chefes e geralmente, ocupavam os altos dos pequenos montes (por exemplo o Alto da Coroa em Arga de S. João, o Monte de St.ª Luzia em Viana do Castelo). Estes povos viviam sobretudo da actividade pastoril e da caça.
Com as invasões romanas dá-se a primeira grande transformação da paisagem da Serra, uma vez que inicia-se a desflorestação das áreas baixas, junto aos principais rios (Minho, Lima, Coura e Âncora) e onde se encontram os solos mais férteis para a produção de cereais como o centeio e o milho-miúdo ou milho-painço, igualmente plantava-se o linho, couves, pomares e vinhedos. É por isso que as populações de então, começam a ocupar os solos junto aos rios e aos seus terrenos agrícolas.
Já mais tarde, na chamada Idade Média, as populações concentram-se e formam núcleos populacionais em redor das povoações fortificadas, tais como Caminha, Ponte de Lima, Viana do Castelo e Vila Nova de Cerveira, etc, de forma a estarem protegidas de invasores. Estas populações medievais trabalhavam as terras férteis dos senhores feudais e do clero, junto dos principais rios e dedicavam-se à pastorícia entre os limites das terras aráveis e a meia encosta, ficando o restante da Serra, ainda coberta da floresta primitiva, reservada à nobreza para caça ao corço, ao cervo, ao urso e ao javali.
Nesta altura, na Serra d’ Arga abundavam os lobos e não existia qualquer núcleo humano. Apenas existia o pequeno mosteiro de S. João d’ Arga que vivia do apoio dado pela freguesia de Covas. As “Argas” não existiam nesta época.
Com os Descobrimentos, nos finais do século XV e inícios do século XVI, Caminha era um importante porto que concorria com Viana do Castelo. De ambos portos saíam produtos do Alto Minho (por exemplo o vinho verde) com destino às chamas Índias e entravam diversos produtos oriundos de África, da Ásia e da América.
Foi do continente Sul Americano que veio um produto agrícola que provocou a grande transformação da Serra d’ Arga, da nossa região e do nosso país – o Milho.
Foi com a introdução do Milho e do feijão, e posteriormente da batata que se iniciou a ocupação da Serra, pois aquelas terras inicialmente utilizadas para pastagens, foram ocupadas com estes novos produtos agrícolas, obrigando a conquistar à Serra novas áreas de pastagem.
Com a melhoria da alimentação humana e do gado, dá-se um forte crescimento demográfico e a consequente necessidade de incrementar a produção agrícola para sustento das populações. Surgindo assim, novos povoamentos que cultivam as terras ocupadas anteriormente por pastagens e provoca-se a desflorestação da Serra para albergar as novas pastagens e intensifica-se o pastoreio. Igualmente, ocorre a necessidade de madeira de carvalho para abastecer os estaleiros de S. Bento, em Viana do Castelo, para a construção das naus (sendo necessários 4 000 a 6 000 carvalhos para cada nau).
Tudo isto provocou uma grande alteração na paisagem e no meio natural. Implantando-se assim, novos núcleos populacionais a maiores altitudes, surgindo deste modo as “Argas”, cuja origem terá sido nos movimentos pastoris provenientes do concelho de Arcos de Valdevez, tal como se comprova em documentos históricos. Daí que as primeiras referências às freguesias de Arga de S. João, Arga de Baixo e de Arga de Cima, surjam apenas em meados do século XVI.
A intensificação do pastoreio, as queimadas sucessivas, o abate de árvores para a construção das embarcações e a ocupação humana da serra com a implantação fixa de povoações, contribuíram para nos princípios do século XX, a Serra d’ Arga se apresentasse praticamente despida de vegetação arbórea, tendo completamente desaparecido o bosque primitivo. Emergindo apenas do solo o mato rasteiro, necessário para a alimentação dos gados de caprinos e de bovinos (raça barrosã). Nesta época os rebanhos eram constituídos por mais de 5 mil cabeças de cabras que apascentavam em toda esta Serra. O espaço florestal, conhecido por baldio era gerido pelas populações. Contudo, em virtude desta situação alarmante de desflorestação intensiva, a qual se vivia de igual forma a todo o norte do rio Tejo, surge em 1940, pela mão do Estado Novo, o Plano de Povoamento Florestal, o qual retira a gestão dos terrenos baldios às populações para entregar à recém criada Junta de Colonização Interna, a qual irá gerir os montes e os trabalhos de florestação até 1974.
Esta política florestal foi a responsável pelo povoamento florestal da Serra d’ Arga com monoculturas de pinheiro-bravo, pela abertura de caminhos e pela aplicação de medidas repressivas sobre o pastoreio, o que conduziu ao abandono da actividade pastoril, pois foi proibido o pastoreio nas extensas áreas florestadas e o corte de matos. Isto provocou o despovoamento das “Argas”, cuja população viu-se obrigada a partir, principalmente para Lisboa, para trabalhar como carvoeiros, no comércio e restaurantes. Aqueles que não saíram entre as décadas de 40 e 70, subsistiam trabalhando para os Serviços Florestais na limpeza e florestação do monte e nas indústrias mineiras de exploração de volfrâmio (para o fabrico de armamento para a II Guerra Mundial e mais tarde para a Guerra Colonial).
Após o 25 de Abril de 1974, entrega-se novamente a gestão dos baldios às populações, mas um sentimento de revolta ou a necessidade criar novas áreas de pastagem levou a que na década de 80, deflagrassem intensos incêndios florestais que dizimaram as extensas massas monoculturais do pinheiro-bravo. Só que já não existiam os grandes rebanhos de cabras nem jovens que os acompanhassem, logo a paisagem da Serra d’ Arga ficou alterada para sempre.
Hoje, são alguns os idosos que apascentam pequenos rebanhos de ovelhas, pois a idade já não lhes permite acompanhar os enérgicos e inquietos rebanhos de cabras.
Serra d’ Arga foi durante milhares anos uma montanha “santa”, ou seja separada, entregue aos cuidados da natureza selvagem para mais tarde, os seus ricos recursos virem a ser o sustento do Homem. As comunidades rurais de montanha souberam gerir esses recursos num ambiente duro e inóspito, trabalharam as suas encostas, abriram carreteiros e caminhos, fizeram equilibradas pontes para cruzar os seus inúmeros cursos de água, criaram campos cercados por muros de pedra solta, fizeram as suas habitações e os seus locais de culto. Tudo isto, é hoje o património construído que, em conjunto com os recursos naturais da serra, constituem uma herança digna de conservar para as gerações vindouras. Esperemos que Homem de hoje saiba valorizar e gerir tão bem ou melhor que o Homem que povoou no passado a Serra d’ Arga.